Alto Chicapa 1972/74
Jean de La Bruyére disse: “a vida é uma tragédia para aqueles que sentem e uma comédia para aqueles que pensam”.
Para mim, a vida deve estar entre o sentir e o pensar, entre a tragédia e a comédia, porque só sentindo uma tragédia, saberemos o que é uma comédia, só estando envolvido entre risos e gargalhadas, saberemos o que é o mais triste dos dramas, só sentir não basta, só pensar é insuficiente…
Foi sem grandes risos ou pensamentos, que vivi durante dois anos e meio, entre 1972 e 1974, num mundo diferente, cheio de mistérios, de valores, de usos e costumes muito primitivos, numa região isolada muito pobre onde se travava uma luta constante com a natureza para a sobrevivência, e onde a mulher, paciente e activa, tomava conta de tudo e tinha tempo para ser fêmea e mãe dedicada.
Num raio de 300 kms residiam apenas meia dúzia de europeus.
Durante aquele tempo, senti, que, em silêncio, o povo sofria… com os fantasmas dos feitiços, com a prepotência dos chicotes dos cipaios, com a ignorância do colonos a cilindrarem tradições, com os militares a destruírem resistências e com a administração colonial a deslocar estrategicamente as aldeias.
Em 1975, depois da chamada guerra colonial ter terminado, vivíamos uma época em que muitas pessoas se interrogavam sobre o que efectivamente tinham feito os portugueses em África, onde os heróis já tinham caído com o rolar das estátuas, o arrear apressado da nossa bandeira sem uma digna passagem de testemunho, o abandonar de um povo a uma guerra civil e a realidade, ignorada pela revolução dos cravos, Generais Spínola e Costa Gomes incluídos, da aliança secreta anteriormente estabelecida entre Portugal, África do Sul e Rodésia para o plano de defesa para a África Austral denominada Exercício Alcora ou PAPO (em inglês), Organização Permanente de Planeamento Álcora, onde Portugal transferia para a África do Sul a capacidade de dirigir as forças militares para terminar com o “terrorismo”.
Publicar estes textos e o documento Tchicapa, o final da viagem, numa época em que toda a actuação portuguesa era posta em causa, não era tarefa fácil. A corrida política e económica para África e o choque entre grandes potências transcende em muito os temas que escrevi, que são a outra face da realidade, a da verdadeira África, que eu, europeu, gosto.
Prestes a dar por concluída estas breves reflexões, resta-me dizer, que foi tudo projectado para não deixar morrer as nossas memórias, sempre assentes num conjunto de acções e de afectos e sustentadas num passado que naturalmente, importa considerar.
Ao Sá Moço, e a todos, que directa ou indirectamente leram e possibilitaram a apresentação destes textos, obrigado.
Carlos Alberto Santos