Alto Chicapa / Angola 1972/74
Numa época e numa região onde a divisão sexual, era em tudo notada, o homem ficava com todos os trabalhos que exigiam uma apreciável força física, a construção da casa, o derrube de árvores, a caça, o auxílio da família, a compra de panos para as mulheres e do vestuário para os filhos. A mulher era responsável por todos os trabalhos domésticos, tratava da casa e dos filhos, ia à água e à lenha, preparava e cozinhava os alimentos, trabalhava nas lavras e ia à pesca.
Era na época das chuvas, com início em Setembro, que a mulher preparava as sementeiras na lavra.
A mandioca, a base da alimentação do povo quioco, era plantada por estacas, três a quatro em cada montículo de terra, com as pontas afastadas. Nos intervalos, em buracos abertos com o calcanhar, semeavam ainda milho e feijão.
Na altura das mondas, do capim, muitas mulheres juntavam-se nas lavras, numa enorme barulheira, para se ajudarem mutuamente.
Para protegerem as culturas dos animais, javalis, macacos e pássaros, erguiam, em redor da plantação, paliçadas de paus e penduravam diversos objectos para produzirem ruídos ao sabor do vento.
Próximo da aldeia, mantinham pequenas sementeiras de amendoim e tabaco.
A agricultura era muito primitiva, não faziam a rotação de culturas e não utilizavam estrumes.
Os instrumentos de trabalho também eram escassos, havia uma pequeno machado / enxada (jimbo), um machado maior para o derrube de árvores e uma catana para o desbaste da mata e a abertura de covas.
A farinha de mandioca era obtida por métodos muito tradicionais.
- Desenterravam os tubérculos quando estavam maduros, mas só os necessários;
- Eram descascados;
- Maceravam-nos no rio durante uns dias para perderem os componentes tóxicos;
- Depois, ficavam estendidos ao sol, durante algum tempo, em pequenas esteiras sobre o telhado de colmo das casas;
- Depois de cortados aos bocados, eram pisados com um pilão num grande almofariz de madeira (tchino); e
- A farinha resultante era peneirada com a ajuda de um cesto tubular.
Depois destas operações, faziam por cozedura o funge, uma papa espessa com água que era constantemente mexida com uma colher de pau de cabo arredondado e terminada em forma de espátula (lerico(?)).
Quando as mulheres tiravam a panela do lume, continuavam a mexer aquela papa durante algum tempo, e era interessante vê-las a manterem a panela sempre segura com os pés.
Com as folhas tenras da mandioca ainda faziam uma espécie de esparregado, que era temperado com óleo de palma e gindungo, acalmavam as mordeduras de abelhas e as feridas da varicela. O pó que restava dos tubérculos depois de torrados servia de calmante e desinfectante para os ferimentos.
As maçarocas do milho, ainda na forma leitosa, eram comidas assadas. O milho depois de maduro era usado para fazerem bebidas, e só raramente era transformado em farinha.
O feijão, sempre cozido e temperado com óleo de palma, também acompanhava o funge.
A batata-doce, que eu tanto apreciava, era assada com a casca.
As frutas silvestres, as bananas maçã, o abacaxi e os maboques (laranjas do mato), os cogumelos, o mel, os ratos do campo, os gafanhotos, as lagartas das plantas e as formigas de asas também faziam parte da alimentação.
Normalmente faziam duas refeições, que eram realizadas quando tinham mais fome (nzala). A da manhã, era a mais simples, constituída por funge ou batata-doce, e a do fim do dia, a principal, era a mais completa.
Sobreviver era preciso, e, acreditem, era mesmo assim a dura lei da vida na selva!
Num alambique muito rudimentar, constituído por uma panela, tapada por metade de uma cabaça, de onde saia um tubo, tipo cano de água, a servir de serpentina e que atravessava um lata cheia de água fria, destilavam milho, mandioca e alguns frutos selvagens, que originavam em conjunto ou em separado uma aguardente a que davam o nome de Catchipembe.
O tabaco, plantado junto da aldeia, era largamente apreciado como rapé e para fumar. A mulher também fumava, usava um cachimbo simples e os homens cachimbos de água (mutopa).
Além do tabaco, cultivavam o muito divulgado cânhamo, que era mais conhecido por maconha ou liamba. Havia algumas plantações isoladas, que eram proibidas pelo posto administrativo, mas em nada eram controladas.
As plantas, que conheci, com a altura de um homem, tinham folhas médias e um pouco rendilhadas, davam flores esverdeadas e um fruto parecido com um grão. O cheiro, incaracterístico, era difícil de se esquecer quando se passava por perto. No final do período vegetativo a planta largava uma cola que era vendida para, noutros locais, a transformarem em haschich.
Localmente limitavam-se a fumar algumas folhas misturadas com tabaco, e só os mais viciados fumavam, a cola, os caules e os frutos triturados com as folhas, até lhe chamavam “Sá Num Zanga” (Senhor de que se gosta e não se consegue esquecer).
Os efeitos eram nefastos e muito tóxicos para a mente, transformando por completo homens ou mulheres.
Para terminar, resta-me uma pequena referência à preparação do fogo. Muitas vezes ainda era feito pelo homem, por fricção de dois pedaços de madeira encostados a uma espécie de lã de casca de árvore, de resto o uso dos fósforos ou do isqueiro a petróleo estavam totalmente generalizados.
A seguir - Afrodisíacos
Carlos Alberto Santos