A guerra colonial também foi uma ruptura em cada um de nós. Deixou-nos muitas interrogações. Foram-nos ensinadas muitas técnicas de combate, algumas de sobrevivência, e só raramente fomos preparados para o regresso à vida civil.
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publicado por Alto Chicapa, em 31.01.10 às 14:29link do post | favorito

Alto Chicapa 1972/74


A lua e o sol
A lua era a companheira da noite, do mal, da doença e até da morte. O sol era a luz, o dia, a vida, a saúde e o alimento dos homens na terra.
 

Por este motivo, as conspirações, os acordos, os ditos, as estórias e as lendas, só eram contadas à luz da lua ou de uma fogueira.
 

Cidade de Saurimo
Saurimo deriva de Sá Urimbo, um chefe quioco que habitava aquela área onde foi fundada a cidade, também chamada de Henrique de Carvalho em homenagem ao general português.

 

General Henrique de Carvalho e o Muatianvua Sá Madiamba - Foto obtida, em 1973, de um quadro de 1886, existente numa das paredes da Tasca do Mais Velho (restaurante) na povoação do Cacolo / Saurimo.

 

Sá era título de paternidade dado a todos os homens que eram pais.

 

Depois da independência de Angola a cidade voltou a ter o seu nome inicial.
 

Administrador do Alto Chicapa
Chamavam-lhe o Kaputu.
 

Atitudes
A mão direita era usada para comer, para cumprimentar, oferecer, receber e para todos os actos de rotina, enquanto a mão esquerda era reservada para tocar nos órgãos sexuais e para excitar a mulher antes do acto sexual.
 

As pinturas brancas no corpo, com que apareciam muitas vezes, eram feitas com caulino (Pemba), significavam o bem, a verdade, a vida e a saúde.
 

Faziam segredo das atitudes mais intimas, tinham vergonha de gazear ruidosamente ou de satisfazer as suas necessidades fisiológicas se alguém estivesse nas proximidades.
 

Os homens usavam na cabeça, pequenos pentes de madeira (tissaculo?), alguns com arte e gosto.
 

 

Algumas palavras

Lunga           - Homem

Pfwo              - Mulher
Mwana          - Criança
Kanuke         - Moço(a)
Demba         - Galo
Tchari           - Galinha
Zambi           - Deus
Mwalva         - Sol
Kakweji        - Lua
Kai                - Cabra do Mato
Lukutu          - Pénis
Sundji           - Vagina
Meia              - Água
Lwiko            - Colher do pirão
Makoso        - Lagartas comestíveis que viviam na arvore Mukoso
Moyo             - Saudação
Moyo weno  - Saudação com mais respeito
Muata           - Chefe da aldeia
Muatianvua - Nome dado ao imperador do Império da Lunda
Jimbo           - Machado pequeno
Mutopa         - Cachimbo de água

 

 

 

A seguir - Sá Moço

Depois - Conclusão e final

 

Carlos Alberto santos

 


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publicado por Alto Chicapa, em 27.01.10 às 23:52link do post | favorito

Alto Chicapa 1972/74

 

Esta imagem, vinda do Alto Chicapa, e que só hoje vos deixo, quase no final dos meus apontamentos, é a de, O Pensador.
 

 

É uma bela estatueta Quiôca (Tchokwe), que representa um ancião. Na Lunda, o idoso tinha (ou tem) um estatuto privilegiado, por representar a tradição, a sabedoria, a experiência dada pelos anos e os segredos da vida.


O Pensador, um símbolo emblemático da cultura angolana, com origem numa tradição convencionada, o cesto de adivinhação, onde o adivinhador (Taí) usava, entre vários objectos, pequenas figuras esculpidas em madeira.


As primeiras figuras de O Pensador foram esculpidas no Dundo, por artesãos locais, no ano de 1947, e por iniciativa de alguns colaboradores da Diamang, a então Companhia dos Diamantes da Lunda.
 

A seguir - Notas soltas

 

Carlos Alberto Santos

 


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publicado por Alto Chicapa, em 27.01.10 às 01:00link do post | favorito

Alto Chicapa 1972/74

 

O homem vivia quotidianamente de uma forma bastante calma. Muita vezes… até deixava transparecer alguma preguiça.


O seu principal objectivo, era ter uma família com o maior número de mulheres. Quantas mais mulheres, mais braços tinha para trabalhar nas lavras e mais prestígio adquiria com o aumento do número de filhos.
 

Para aumentar a sua riqueza, quando lhe era economicamente viável, casava com uma outra mulher, geralmente, mais nova, que a anterior. Era, assim, do trabalho das mulheres, que obtinha os rendimentos, que lhe permitia casar novamente, ter mais filhos e atingir uma posição social na comunidade.


Depois de atingir um certo estatuto e até o título de muata, mostrava-se, fumava muito, bebia e dava passeios em visita aos amigos e familiares.

 


Depois de passar ao grupo dos mais velhos, devido à experiencia de vida adquirida e aos saberes e tradições, era solicitado para dar conselhos e intervir como juiz de partes em conflito.

 


Quando ficava incapacitado, devido à idade, era sempre acompanhado pelos filhos ou pelas mulheres mais novas. Também era durante esta fase da vida, com um conhecimento amplo da comunidade e da vida, que lhe era atribuída, erradamente, praticas de feiticeiro e de ligações a forças sobrenaturais.


Para mim, era com muita dignidade que chegavam ao fim da sua vida.
 

A seguir - O Pensador

 

Carlos Alberto Santos

 


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publicado por Alto Chicapa, em 23.01.10 às 22:19link do post | favorito

Alto Chicapa 1972/74


Havia muitos afrodisíacos naturais. Utilizavam-nos ao mais pequeno sintoma de fraqueza e, em muitos casos, devido ao excesso de mulheres e a uma alimentação deficiente.
 

Nos meus apontamentos registei:
 

A planta Mundundo – Retiravam da entre casca uma espécie de raspas moles de cor avermelhada com as quais faziam infusões. Nós, os europeus chamávamos-lhe o Pau de Cabinda do Leste. A sua acção era tão intensa, que a excitação era capaz de durar toda a noite.
 

As Cantaridas – Um insecto, que depois de seco era transformado em pó. Quando necessário, era misturado numa bebida ou na comida para provocar uma excitação rápida e intensa.
 

A planta Mundonda – A acção afrodisíaca era obtida através da seiva e das raízes mastigadas. Era utilizada pelas mulheres, que queriam ter um maior prazer sexual.
 

A planta Mulolo – As mulheres usavam-na com frequência para receberem e darem mais prazer. A raiz desta planta era usada para friccionar a vagina e ajudar a distender e a dilatar os pequenos lábios e o clítoris.
 

Sá Moço, sendo, ele, consumidor frequente de afrodisíacos naturais, dizia-me com frequência.
- Tudo o que sirva para estimular o pénis (lukutu), excitar a vagina (sundji) ou provocar prazeres múltiplos, é bom, porque um homem ou uma mulher sem desejo, são cadáveres vivos.
 

A seguir - O homem

 

Carlos Alberto Santos

 


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publicado por Alto Chicapa, em 11.01.10 às 23:43link do post | favorito

Alto Chicapa / Angola 1972/74

 

Numa época e numa região onde a divisão sexual, era em tudo notada, o homem ficava com todos os trabalhos que exigiam uma apreciável força física, a construção da casa, o derrube de árvores, a caça, o auxílio da família, a compra de panos para as mulheres e do vestuário para os filhos. A mulher era responsável por todos os trabalhos domésticos, tratava da casa e dos filhos, ia à água e à lenha, preparava e cozinhava os alimentos, trabalhava nas lavras e ia à pesca.
 

Era na época das chuvas, com início em Setembro, que a mulher preparava as sementeiras na lavra.
 

 

A mandioca, a base da alimentação do povo quioco, era plantada por estacas, três a quatro em cada montículo de terra, com as pontas afastadas. Nos intervalos, em buracos abertos com o calcanhar, semeavam ainda milho e feijão.
 

Na altura das mondas, do capim, muitas mulheres juntavam-se nas lavras, numa enorme barulheira, para se ajudarem mutuamente.
 

Para protegerem as culturas dos animais, javalis, macacos e pássaros, erguiam, em redor da plantação, paliçadas de paus e penduravam diversos objectos para produzirem ruídos ao sabor do vento.
 

Próximo da aldeia, mantinham pequenas sementeiras de amendoim e tabaco.
 

A agricultura era muito primitiva, não faziam a rotação de culturas e não utilizavam estrumes.

 

 

Os instrumentos de trabalho também eram escassos, havia uma pequeno machado / enxada (jimbo), um machado maior para o derrube de árvores e uma catana para o desbaste da mata e a abertura de covas.
 

 

A farinha de mandioca era obtida por métodos muito tradicionais.

  • Desenterravam os tubérculos quando estavam maduros, mas só os necessários;
  • Eram descascados;
  • Maceravam-nos no rio durante uns dias para perderem os componentes tóxicos;
  • Depois, ficavam estendidos ao sol, durante algum tempo, em pequenas esteiras sobre o telhado de colmo das casas;
  • Depois de cortados aos bocados, eram pisados com um pilão num grande almofariz de madeira (tchino); e
  • A farinha resultante era peneirada com a ajuda de um cesto tubular.

 

Depois destas operações, faziam por cozedura o funge, uma papa espessa com água que era constantemente mexida com uma colher de pau de cabo arredondado e terminada em forma de espátula (lerico(?)).

 


Quando as mulheres tiravam a panela do lume, continuavam a mexer aquela papa durante algum tempo, e era interessante vê-las a manterem a panela sempre segura com os pés.
 

 

Com as folhas tenras da mandioca ainda faziam uma espécie de esparregado, que era temperado com óleo de palma e gindungo, acalmavam as mordeduras de abelhas e as feridas da varicela. O pó que restava dos tubérculos depois de torrados servia de calmante e desinfectante para os ferimentos.


As maçarocas do milho, ainda na forma leitosa, eram comidas assadas. O milho depois de maduro era usado para fazerem bebidas, e só raramente era transformado em farinha.
 

O feijão, sempre cozido e temperado com óleo de palma, também acompanhava o funge.
 

A batata-doce, que eu tanto apreciava, era assada com a casca.

 


 

As frutas silvestres, as bananas maçã, o abacaxi e os maboques (laranjas do mato), os cogumelos, o mel, os ratos do campo, os gafanhotos, as lagartas das plantas e as formigas de asas também faziam parte da alimentação.

 

Normalmente faziam duas refeições, que eram realizadas quando tinham mais fome (nzala). A da manhã, era a mais simples, constituída por funge ou batata-doce, e a do fim do dia, a principal, era a mais completa.
 

Sobreviver era preciso, e, acreditem, era mesmo assim a dura lei da vida na selva!
 

Num alambique muito rudimentar, constituído por uma panela, tapada por metade de uma cabaça, de onde saia um tubo, tipo cano de água, a servir de serpentina e que atravessava um lata cheia de água fria, destilavam milho, mandioca e alguns frutos selvagens, que originavam em conjunto ou em separado uma aguardente a que davam o nome de Catchipembe.
 

O tabaco, plantado junto da aldeia, era largamente apreciado como rapé e para fumar. A mulher também fumava, usava um cachimbo simples e os homens cachimbos de água (mutopa).
 

Além do tabaco, cultivavam o muito divulgado cânhamo, que era mais conhecido por maconha ou liamba. Havia algumas plantações isoladas, que eram proibidas pelo posto administrativo, mas em nada eram controladas.

 

As plantas, que conheci, com a altura de um homem, tinham folhas médias e um pouco rendilhadas, davam flores esverdeadas e um fruto parecido com um grão. O cheiro, incaracterístico, era difícil de se esquecer quando se passava por perto. No final do período vegetativo a planta largava uma cola que era vendida para, noutros locais, a transformarem em haschich.

 

Localmente limitavam-se a fumar algumas folhas misturadas com tabaco, e só os mais viciados fumavam, a cola, os caules e os frutos triturados com as folhas, até lhe chamavam “Sá Num Zanga” (Senhor de que se gosta e não se consegue esquecer).

 

Os efeitos eram nefastos e muito tóxicos para a mente, transformando por completo homens ou mulheres.
 

Para terminar, resta-me uma pequena referência à preparação do fogo. Muitas vezes ainda era feito pelo homem, por fricção de dois pedaços de madeira encostados a uma espécie de lã de casca de árvore, de resto o uso dos fósforos ou do isqueiro a petróleo estavam totalmente generalizados.
 

A seguir - Afrodisíacos

 

Carlos Alberto Santos

 


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