Alto Chicapa 1972/74
O homem e a mulher só se sentiam realizados socialmente quando contribuíam para o aumento da comunidade, os filhos eram o principal alvo.
Quando a mulher engravidava, toda a sua vida se alterava. Era envolvida por muitos cuidados, como o repouso e o fim do trabalho nas lavras. Às refeições, passava a ingerir seivas fortificantes e mastigava raízes anti-vermes.
No início da gravidez, consultava o adivinho (taí) para saber quais as cerimónias e os amuletos protectores que eram necessários para o bom desenvolvimento e saúde do feto e… ficar longe de feitiços e maus-olhados.
As relações sexuais e os contactos com os homens também eram suspensos.
Afirmavam, que, durante a gravidez, a mãe não podia comer certos alimentos, como, entre outros, a carne de porco, senão o filho nasceria com a cara em formato de porco.
No último mês da gestação a mulher mudava-se para uma casa mais pequena, mais rudimentar, ou para a cozinha onde ia ter a criança.
Devido a medos, a uma deficiente gestação ou outros motivos que nunca cheguei a perceber, havia casos, em que as mulheres iam ter o filho, completamente sozinhas, fora da aldeia, em plena mata, e apenas encostadas ou agarradas a uma árvore. Lidei, acidentalmente, com uma situação destas, na orla da pista de aviação do Alto Chicapa, onde o gemido de uma mulher e o choro de uma criança me atraíram.
Não sabia o que estava a acontecer, mas era algo diferente.
Com alguma irresponsabilidade, e totalmente desprotegido, aproximei-me.
Felizmente, era uma criança a acabar de nascer bem e uma super mãe a fazer todo o trabalho, parto e pós parto.
A minha acção foi paupérrima e, acima de tudo, envergonhada, mas aquela mãe só me deu liberdade para chamar a primeira mulher, que visse na aldeia dos GEs.
Quando os partos ficavam muito difíceis e eram assistidos por uma mulher mais velha (uma espécie de parteira), esta introduzia na vagina da parturiente folhas de uma árvore, para ajudar à dilatação, e ao mesmo tempo ia-lhe perguntando os nomes dos homens com quem tinha tido relações sexuais, além do marido, e insistia sempre para que não ficasse nenhum esquecido (ler mais em Missão Humanitária).
Acreditavam que as dificuldades do parto eram devidas às muitas relações extra conjugais e que a expulsão do feto não seria possível sem a indicação de todos os homens com quem tinham mantido relações.
A seguir ao parto, a mulher bebia uma infusão de folhas com propriedades cicatrizantes, fazia lavagens vaginais com a água de folhas de mandioca e tomava vários banhos frios no rio.
Sobre o leite materno, foi-me contado: Quando uma mãe não tinha ou lhe faltava o leite, a criança era alimentada por uma outra mulher da família ou da aldeia com filhos latentes e se isto não fosse possível, uma das outras mulheres do marido ingeria umas raízes, que em dois dias lhe provocava o aparecimento de leite.
Era engraçado ver estas crianças a acompanharem a mãe para todo o lado e em todos os trabalhos, repousando sobre as suas costas com os seios sempre à sua disposição, logo que o desejavam.
A mulher revia-se nos filhos, sempre com um acompanhamento e carinho inigualável desde o berço até à sua vida de adulto, num círculo inquestionável, que nenhuma vicissitude podia romper.
Os valores familiares deste mundo quioco eram muito fortes, só se sentiam realizados socialmente quando contribuíam para o aumento da comunidade!
A seguir - Poligamia
Carlos Alberto Santos