A guerra colonial também foi uma ruptura em cada um de nós. Deixou-nos muitas interrogações. Foram-nos ensinadas muitas técnicas de combate, algumas de sobrevivência, e só raramente fomos preparados para o regresso à vida civil.
comentar
publicado por Alto Chicapa, em 30.11.09 às 00:02link do post | favorito

Angola / Alto Chicapa 1973


O chamado luto pesado durava quatro dias.


A viúva, rapava o cabelo, não se lavava e não mudava de roupa. A sua alimentação era feita à base de alimentos crus e água.
Durante um ano, isolava-se, vestia-se com alguns trapos enrolados ao corpo e não podia ter actividade sexual.
 

Decorrido este tempo, acontecia o chamado rito da purificação, que consistia em ter relações sexuais com um homem estranho à aldeia, para descarregar as suas impurezas. Quando não era possível encontrar um estranho usavam uma mulher mais velha que fazia o papel de macho. Utilizavam um tubérculo de mandioca, preparado para o efeito, numa cópula simulada e realizada junto às margens de um rio. Depois de tomar um banho purificador, a viúva ficava liberta, podendo casar-se novamente.
 

Depois dos actos purificadores, realizava a cerimónia do fim do luto, junto dos seus familiares e de toda a gente da aldeia. Era um dia cheio de cantares, danças, comidas e muitas bebidas alcoólicas.
 

Quando era o homem a ficar viúvo, tudo era mais complicado.

Tinha de indemnizar a família da morta e era, sempre, acusado de negligência, de maus tratos e de ser o responsável.
 

Durante o luto pesado o viúvo dormia fora de casa, não cortava a barba e o cabelo, e andava vestido com panos amarrados à cintura.
 

A purificação acontecia, de um modo igual ao da viúva. Depois de um ritual sexual com uma mulher estranha ou através da masturbação, banhava-se no rio e bebia uma infusão preparada pelo tahi (adivinho).
 

Naquela época, o mundo dos quiôcos, era uma sociedade cheia de valores, até na morte. Esta, significava o fim da força vital de um ser humano, e por este ser considerado como um elemento integrante da comunidade, a aldeia sentia-se atingida.
 

(A seguir - As núpcias)

 

Carlos Alberto Santos

 


comentar
publicado por Alto Chicapa, em 16.11.09 às 22:47link do post | favorito

Na região do Alto Chicapa, entre os anos de 1972 e 1974, a morte era encarada pelo povo como a passagem de um indivíduo a um estado de espírito.


Sem saber o que estava a acontecer e sem estar muito à vontade, assisti a parte de um ritual funerário. Perante o meu pouco à vontade, tranquilizaram-me dizendo que era uma cerimónia necessária para o morto ficar sossegado, além-túmulo.
 

Quando não o faziam, acreditavam que uma grande inquietação angustiosa se apoderava do espírito do falecido exercendo uma influência nefasta sobre todos, sobre a aldeia e principalmente naqueles a quem competia terem feito a cerimónia, a família.
 

Consistia, quase sempre, em batuques ruidosos, onde o choro e o carpir andava de mãos dadas com o som dos tchinguvos, com comezainas, mais ou menos fartas conforme as posses e a importância do morto, e… em libações descontroladas, que me assustaram!
 

Estes rituais, que duravam uma ou duas noites, acabavam no dia do enterro.
 

Como sempre o fazia noutros casos, confirmei com o Sá Moço alguns dos acontecimentos passados naquela noite. Devido ao meu interesse, acabou por me contar alguns episódios passados com a morte de um Soba, onde era tudo muito complicado, mais demorado e extravagante.
 

Contou-me, que o falecido ficava em casa durante cinco dias, guardado por vários homens e só ao sexto dia era enterrado. Durante esses dias havia batuques, sem parar, matavam-se cabras, porcos, galinhas e até bois… a cerimónia deveria ser muito digna.

 

Ao sexto dia, depois do enterro, a sua casa era queimada e alguns dos seus bens eram destruídos. O povo, sempre com muito medo da morte e de um contágio generalizado, mudava-se para um outro local para construir uma nova aldeia.
 

Uma outra observação, espontânea, extremamente curiosa, aliás, frequente no Sá Moço, quando estava confiante e liberto de medos, referia-se ao costume contado pelos mais velhos, de sepultarem os Sobas com uma das suas mulheres… acreditavam que a vida terrestre se prolongava após a morte e que todo o defunto mantinha a sua situação social ocupada em vida.
 

A seguir - O fim do luto

 

Carlos Alberto Santos

 


comentar
publicado por Alto Chicapa, em 09.11.09 às 23:06link do post | favorito

Em 1972, a mahamba, era, segundo a crença, a cerimónia mais necessária para libertar um doente de um espírito mau, que se tinha alojado no seu corpo para o fazer sofrer, ou matar.
 

Estas manifestações, anti-espíritos maus, eram, quase sempre, realizadas à noite.
 

Em redor das fogueiras, sentavam-se o invocador dos espíritos, o chamado homem da mahamba, o doente, a família e o povo que queria assistir. A um canto, estavam os tocadores de gomas e tchinguvos.
 

Entre manifestações de magia, com sinais de evasão terrena e um forte rufar de tambores, o homem da mahamba tirava de uma cabaça um medicamento, por ele preparado, e sempre ao som de um ribombar estrondoso, com os homens e as mulheres a dançarem numa evocação aos espíritos, o corpo do doente era pintado com o remédio.
 

A certa altura, entre os cânticos, as danças e as frases rituais do homem da mahamba, o doente levantava-se em estado de convulsão, a tremer da cabeça aos pés, a gritar, a dançar, a gesticular e com os olhos raiados de sangue, a saltarem das orbitas, num autêntico estado de possessão.
 

A certa altura, o doente, que mais parecia estar em estado de hipnose, diz com voz rouca e forte, como se fosse um outro a falar dentro dele, qual o espírito que o aflige. Imediatamente, alguns familiares, correm para junto dele e sem perderem tempo retiraram-no para um lugar recatado e afastado de toda a cerimónia.


Era um final esperado por todos, menos por mim!
 

Os restantes acontecimentos, já me foram contados à posterior. Os relatos, sempre medrosos, diziam, que o doente ia continuar com o corpo marcado com as pinturas da mahamba durante alguns dias e, que à porta de sua casa, num suporte próprio, ficava uma panela ou uma cabaça com os remédios e os amuletos que o ajudavam a melhorar.
 

A seguir - A morte

 

Carlos Alberto Santos

 


mais sobre mim
Novembro 2009
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1
2
3
4
5
6
7

8
9
10
11
12
13
14

15
17
18
19
20
21

22
23
24
25
26
27
28

29


arquivos
pesquisar
 
blogs SAPO
subscrever feeds