A guerra colonial também foi uma ruptura em cada um de nós. Deixou-nos muitas interrogações. Foram-nos ensinadas muitas técnicas de combate, algumas de sobrevivência, e só raramente fomos preparados para o regresso à vida civil.
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publicado por Alto Chicapa, em 26.08.09 às 23:59link do post | favorito

Foram coisas fantásticas e sensações inesquecíveis, embora algo estranhas!
 

No seu verdadeiro ambiente, sobre tudo, com muita curiosidade, me envolvi. Tive tempo, para compreender, interpretar, colaborar, e…receber.
 

Vivendo, quase três anos no Leste de Angola (1972/74), no isolamento e na solidão, longe, muito longe mesmo, da família, dos amigos e das ditas civilizações evoluídas, refugiei-me na observação de tudo e daquele mundo de homens, mulheres e crianças, que sofrem e riem como nós.
 

Andei pelo mato e por locais onde poucos seres humanos passaram, selva a cem por cento!

 

Parei em quimbos, atravessei pontes improvisadas, percorri rudimentares picadas e muitos quilómetros a pé por trilhos abertos na floresta.
 

 

Região do Alto Chicapa (2008/09) 

 

À luz misteriosa da noite, sob um enorme manto de estrelas, vi danças, homens e graciosas mulheres em batuques desconcertantes, sensuais e cheios de vida, entre costumes estranhos e impenetráveis.
 

Fui a cerimónias de nascimentos, da iniciação dos jovens, de feiticeiros, às mahambas (cerimónias de espíritos e feiticeiros), falei com os quimbandas (homens que curam doenças), os tai (adivinhadores)… e, guardei tudo o que senti, desde os cheiros às imagens.
 

Depois de tudo isto, fiquei com impressões inapagáveis, mais rico, mais forte e diferente, um novo homem.

 

Estávamos no Alto Chicapa, uma região isolada e longínqua com o seu quê de misteriosa, a 10º 56´02. 78” de Latitude Sul e a 19º 08´ 46. 36” de Longitude Este, a 1260 metros de altitude e a cerca de 350 quilómetros da Vila de Henrique de Carvalho, hoje cidade de Saurimo, capital da Lunda Sul, o mais próximo e acessível centro da vida civilizada.
 

 

Comuna do Alto Chicapa (2008/09) 

 

É a terra que me traz à memória momentos gratificantes e pessoas por quem tenho o mais profundo e agradecido respeito!
 

Carlos Alberto Santos

 

A seguir - A formação do povo quioco

 


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publicado por Alto Chicapa, em 20.08.09 às 22:57link do post | favorito

Aqueles que leram o meu trabalho, Tchicapa, o final da viagem, certamente deram conta de algumas críticas e comentários.

 

Independentemente do juízo feito, procurei ser justo, e evitei a ficção.


Neste segundo trabalho, Conversas, com Sá Moço, elas vão voltar a aparecer, aqui e acolá, sempre sem intenções políticas ou de rancor.


As reflexões, deixo-as a outros mais doutos.
 

Como no primeiro trabalho, apresento-me tal como sou, com defeitos e a virtude de ser sincero e interessado com quanto se passou na nossa passagem por África, por vezes com desgraçados dias.
 

Os meus próximos textos, evitando a fixação psico-traumática, vão abordar a singeleza da vida, não esquecendo que sou, somente, um dos muitos militares milicianos que passaram por Angola e que a tais memórias dedica um olhar calmo e enternecido.
 

 

Em consequência, tratarei, a partir de hoje, de rebuscar recordações e conversas com um homem natural da região do Tchicapa, para, ao mesmo tempo que as partilho, lhes devolver alguma da antiga e perdida clareza.


Nas minhas muitas vidas (não de nascimento), entre sonhadas e verdadeiras, nos distantes anos da década de 1970, encontrei o Sá Moço, um homem katchokwe (quiôco) com cerca de 40 anos de idade. Um ser humano, auto-suficiente, que tinha falta de tudo, mas não sentia falta de nada.
 

 

 

Recordo-o com admiração.

 

Sem o ser, era engenheiro, médico, psicólogo, pisteiro, e… na maior das calmas e com muita inocência lá ia dizendo que o IN (inimigo) também precisava de ajuda, quando aparecia na aldeia.
 

Quem, algum dia, foi militar, costuma ser um pródigo contador de histórias, umas ligadas à guerrilha e outras, de coisas mais singelas, no entanto, nos textos que se seguem, vou escrever sobre a vida de um povo que foi importante na minha formação e me transformou num eterno enamorado da natureza e das coisas belas e boas que ela nos proporciona.
 

 

Enfim, vou escrever sobre, as minhas vivências com o Sá Moço, a vida no quimbo, as festas, os modos de vida e de figuras típicas que por lá encontrei, das muitas pessoas, boas e interessantes que conheci, e ainda, só um pouco, dos seres francamente racistas, grosseiros, brutos e porcos, que também os havia, e… que hoje, em 2009, à sombra da democracia e aproveitando a ingenuidade de muitos, aparecem, ora disfarçados de rambos ora de defensores da verdade, que lhes convém.
 

Termino com a seguinte frase: Em Portugal, cada ex-combatente que morre é uma biblioteca que se queima.
 

Carlos Alberto Santos

 

A seguir - Coisas e sensações do Leste de Angola

 


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